Pernambucanos relembram golpe militar de 1964

Em 08/04/2016
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Quarta-feira, primeiro de abril de 1964. Na data de início do golpe militar, Pernambuco amanheceu desconfiado para um dia que marcou a história do Estado e do País. Soldados, tanques e armas tomaram conta das ruas do Recife, e cercaram lugares como o Palácio do Campo das Princesas, sede do Poder Executivo Estadual. Lá, o então governador Miguel Arraes foi deposto do cargo e preso por ser contra o golpe.

O advogado Ivan Rodrigues era assessor de Arraes na época, e ainda guarda na memória o diálogo entre o governante e o coronel que lhe comunicou a perda do cargo. “O coronel diz a doutor Arraes: ‘Venho comunicar que Vossa Excelência está deposto’. Responde o doutor Arraes: ‘O senhor não tem autoridade para me depor. Sou o governador do estado, eleito pelo povo de Pernambuco, e somente ele pode me depor. Ou então, o senhor quer dizer que eu estou preso, e isso o senhor pode fazer pela força’. Aí retruca-lhe o coronel: ‘De forma alguma, Excelência, pelo contrário. Lhe daremos todas as garantias cabíveis’. E aí doutor Arraes responde-lhe serenamente e de forma profética: ‘Não preciso das suas garantias. Sou o governador de Pernambuco e exercerei o meu mandato até o último dia, esteja onde estiver’”.

No centro, onde hoje fica a avenida Dantas Barreto, dois estudantes foram baleados numa manifestação em defesa da democracia e do Governo Arraes. Jonas José de Albuquerque Barros, de 18 anos, e Ivan Rocha de Aguiar, de 21, foram as primeiras vítimas fatais da intervenção militar em Pernambuco.

Na rua da Aurora, o prédio da  Assembleia Legislativa estava cercado. Numa sessão extraordinária, acompanhada por militares dentro do Plenário da Casa Joaquim Nabuco, os parlamentares aprovaram o impeachment do governador Miguel Arraes. Mais de meio século depois, o ex-deputado estadual Luiz de Andrade Lima ainda recorda da votação. A Assembleia já estava cercada por Ibiapina, o coronel Ibiapina, eu então entrei e me articulei com o pessoal. Mas do nosso pessoal, a maioria absoluta já tinha debandado, e nós contamos apenas com 15 votos, com 15 deputados que tiveram a coragem de votar e se pronunciar contra. E o coronel Ibiapina estava lá, junto da Presidência, dizendo ‘faça isso, faça aquilo, faça aquilo outro’.”

Menos de cinco anos depois, em fevereiro de 1969, a Assembleia Legislativa foi fechada por um decreto da ditadura militar.

Durante os anos de ruptura da ordem política, Pernambuco figurou num papel de destaque no cenário nacional. Além da capital, o interior do Estado também fervilhava devido ao movimento dos trabalhadores rurais, as chamadas Ligas Camponesas. Sob a liderança do advogado Francisco Julião, eles lutaram pelos direitos do homem do campo e provocaram a ira do patronato. Se já despertavam a atenção nacional desde o Governo Vargas, as Ligas passaram a ser duramente perseguidas pelos militares.

Ao longo de duas décadas de regime militar, a censura e a perseguição desarticularam diversas iniciativas sociais, como o Movimento de Cultura Popular do Recife e as próprias Ligas Camponesas. Para o cientista político Michel Zaidan, as principais consequências de um golpe são os retrocessos nos direitos da população. “Há um amordaçamento geral dos direitos e das garantias fundamentais da população, o que impede que ela se manifeste, que ela proteste, que ela reclame, reivindique, que ela se organize, que ela possa expressar seu pensamento através da arte, do cinema, da literatura. Se constitui um atentado gravíssimo à cidadania das pessoas.”

Depois de 52 anos, Pernambuco ainda lembra o rastro de destruição deixado pelo golpe militar. Dados da Comissão Estadual da Memória e da Verdade Dom Helder Câmara, instalada em 2012 para investigar os casos de violência durante a ditadura, apontam que pelo menos cinquenta pernambucanos nunca voltaram para casa.